domingo, 18 de outubro de 2009

Série naftalina - Poeminha de adeus II

A primeira coisa que ele me tirou foi o chão. Bastou um olhar pela tangente. O flagra do final de um sorriso. Um sorriso malicioso de quem compartilha um segredo. Eu entendi. Ninguém notou. Agora o guardo como a uma daquelas lembranças trágicas, fugidias, que vão e vêm na cabeça de quem presencia um acidente. Fatal.

Sem chão, precisava me agarrar a algo. Encontrei a mão dele. E me equilibrei numa pilha de sonhos que estavam há muito entulhados não-sei-onde, de tão antigos.

Aquilo me confortou. E tudo que eu queria era ficar naquela bagunça dos desejos que eu cuidadosamente guardara e colecionara.

Um dia, corpos enlaçados, respiração ritmada, olhei bem para ele enquanto cochilava. "Você vai me amar, tem que me amar". Eu espremi meus olhos por alguns segundos, desejando com toda a força que aquilo penetrasse em seus poros, tão juntos aos meus, e chegasse de alguma forma ao seu subconsciente. Me lembrei de quando era pequena e fechava os olhos da mesma forma ao soprar as velinhas do bolo de aniversário para fazer um pedido. Ou da forma como agia quando assistia aos jogos do Flu: nas partidas decisivas, quando o time entrava na pequena área, eu espremia meus olhos por milionésimos de segundos e desejava com toda a força que a bola entrasse no gol. Costumava funcionar.

Mas eu abri os olhos e ele não estava lá. Embrulhei o que restou dos sonhos, amassados pela ilusão, e os empilhei atrás da porta.

Me senti sozinha, sem proteção, sem teto. Olhei para cima. A última coisa que ele me tirou foi o céu.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Dias inconjulgáveis

Dias sem verbo: sem conjugação de passado, presente ou futuro. O conforto de um milionésimo de segundo etéreo. Apenas o tempo, o lugar e as pessoas. E o vento. Em setembro, sempre o vento!

No quintal da casa no deserto, dois cachorros com preguiça: Milo (ou Negro) e Mancha. Além disso, a llama de oito meses com nome kunza, na maré de um idioma em extinção.

Sob a lua (cheia), o barulho do silêncio, do silêncio das pequenas ruas, das pequenas ruas empoeiradas, empoeiradas de terra, da terra do cobre. A mineração surda. Latejante. Eterna.

Menos uma fração de segundo. Mais uma saudade.

domingo, 23 de agosto de 2009

Coisinhas

Sumi. Faz quase um mês. Ainda não me mudei. Não coloquei nenhum quadro nas paredes, continuam brancas, sem lembranças. Podia ser a casa de qualquer um. Ou de ninguém. Não preguei nem o quadrinho do Neruda que comprei em "La Chascona". Já sei onde quero colocá-lo, mas tenho medo de fazer o furo e me arrepender. Tolice: medo de coisas "definitivas" (sim, entre aspas). O furinho é na mesma parede que faz divisa com o banheiro. E aí me lembro de uma amiga que furou uma parede da cozinha e acabou alcançando um cano! Viajo esta semana. Tenho medo de voltar e me sentir mais só. Pode ser o inferno astral. Tomara!

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Série Naftalina - Poeminha de adeus

Neste minuto, sabe-se-lá quantos mil textos estão sendo escritos para serem guardados no fundo de alguma gaveta, caixinha de cartas ou pasta de computadores pessoais. Muitos deles não terão um único leitor - além de seu próprio autor. Quem nunca fez isso?

Ontem minha amiga Mari me ligou para falar de um ex-namorado meu. Parque da cidade. Domingo de manhã. Ela fazia cooper com um amigo que o conhecia.

E o que isso tem a ver com a minha coleção de textos esquecidos no fundo da gaveta? De uns anos pra cá, sempre que um relacionamento chega ao fim, sinto uma vontade quase visceral de escrever um poeminha. É o meu jeito de celebrar o fim. Minha mensagem para colocar sobre a lápide.

O texto a seguir tinha tido até este momento um único leitor. O mesmo que a Mari encontrou durante a sua manhã esportiva no último domingo.

Bom mesmo é saber que tudo passa, e que os poemas podem um dia sair da gaveta...


Chegou em silêncio e entrou sem bater
Ofereceu a janela do mundo que levava no bolso
E, em troca, ficou com a chave da porta.

Forrou a cama com o seu cheiro,
Limpou os cinzeiros de lembranças,
E fritou um tabuleiro de sonhos.

Adormeceu o meu cansaço
Ninou o meu prazer
E acordou o meu querer
Com o desejo, fez chá de insônia.

Meia-noite, um litro e meio de insônia,
Pela porta entreaberta, o amor entrou, travesso,
E se alojou – sem permissão.

Você dormia e não viu
Ele riu
E me virou do avesso.

Agora era só ilusão
Cupido desajeitado não te deu a mão
E eu, nos seus braços, lua minguante:
O amor por um triz.

O medo quis despistar,
Tentou cobrir-me com um sonho barato,
À venda num bazar de atacado.

Em vão...
A coberta era curta
E a realidade esfriava os meus pés,
Indicando um caminho diferente do seu.

Mas um dia, o medo tomou fôlego,
Distraiu o coração afobado,
E tramou um destino para o amor.

Juntou todas as suas dores e fugiu.
Depois, de mãos dadas com a esperança,
Vedou a porta
E ligou o gás.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

As últimas flores

Escrever ajuda a entender a dor. E a curá-la também. Eu acho.

Quando chegou a Brasília, nos anos idos da construção da cidade, já acumulava duas separações. Muita gente de sua cidade comentava. Naquele tempo, isso era raro. Mas acho que ela não ligava pra isso. Ninguém se importou quando ela, ainda adolescente, foi oferecida pra pagar uma dívida a um homem mais de 20 anos mais velho. Naquele tempo, isso não era raro. Ele se chamava Francisco, e foi deixado poucos anos depois por um amor. João Batista. Quando tudo passou, a nova capital do Brasil acenou com a possibilidade de uma vida nova. Na bagagem, dignidade e muita coragem.

Há duas semanas, nada disso revelavam as suas rugas. Lá estava ela, imóvel. Os filhos – que ela tanto gostava de reunir – ao redor. Júlia distraía-se com o meu celular tirando fotos das flores. Amarelas. Vermelhas. Não me lembro das cores. Também não me lembro da última vez que ela tinha recebido flores.

Mas guardo a sensação de passar as mãos em seus cabelos. E ainda escuto o seu riso gostoso:

- Eu acho feio o meu nome, parece com ‘coberta’, dizia Roberta.

Na capela ao lado, o corpo de uma moça de 23 anos que se enforcou. Minha avozinha, do alto dos seus 83, adoraria ter mais uns minutos - gastos de preferência com um churrasquinho ou um doce.

Agora, uma porção de lembranças amontoadas e não-inventariadas. Uma rua que não mais visito. Uma casa sem razão de existir. O medo de o tempo me levar a recordação de sua voz. E a tristeza por não ter podido cumprir a última promessa que lhe fiz.

- Estou com medo, falou baixinho ao entrar na ambulância.

A vida me deixou órfã de avó. Uma geração sob a terra.

"Devolve, moço" (Ana Cañas)

Gosto muito dessa música e do clipe: http://www.youtube.com/watch?v=X0rzP8gpoCY. Montagem ritmada, cenografia criativa e figurino legal. Vale a pena assistir!

Para combater o sedentarismo criativo

De segunda a sexta minha cama me expulsa para o meu compromisso diário com a rotina: escrever sobre as mesmas coisas do mesmo jeito que escrevi ontem. Tá bom, às vezes, surgem uns assuntos novos! Aí eu escrevo da mesma maneira que vão querer que eu escreva amanhã. Resultado: ganho um salário digno e honrado, mas meu cérebro sofre de um sedentarismo-crônico-à-beira-do-colapso-criativo. Hoje quis fugir um pouco disso, juntei coragem e criei este "blog". Na verdade, é o meu mais novo bloquinho de anotações (só que público, ai meu deus!)...