domingo, 18 de outubro de 2009

Série naftalina - Poeminha de adeus II

A primeira coisa que ele me tirou foi o chão. Bastou um olhar pela tangente. O flagra do final de um sorriso. Um sorriso malicioso de quem compartilha um segredo. Eu entendi. Ninguém notou. Agora o guardo como a uma daquelas lembranças trágicas, fugidias, que vão e vêm na cabeça de quem presencia um acidente. Fatal.

Sem chão, precisava me agarrar a algo. Encontrei a mão dele. E me equilibrei numa pilha de sonhos que estavam há muito entulhados não-sei-onde, de tão antigos.

Aquilo me confortou. E tudo que eu queria era ficar naquela bagunça dos desejos que eu cuidadosamente guardara e colecionara.

Um dia, corpos enlaçados, respiração ritmada, olhei bem para ele enquanto cochilava. "Você vai me amar, tem que me amar". Eu espremi meus olhos por alguns segundos, desejando com toda a força que aquilo penetrasse em seus poros, tão juntos aos meus, e chegasse de alguma forma ao seu subconsciente. Me lembrei de quando era pequena e fechava os olhos da mesma forma ao soprar as velinhas do bolo de aniversário para fazer um pedido. Ou da forma como agia quando assistia aos jogos do Flu: nas partidas decisivas, quando o time entrava na pequena área, eu espremia meus olhos por milionésimos de segundos e desejava com toda a força que a bola entrasse no gol. Costumava funcionar.

Mas eu abri os olhos e ele não estava lá. Embrulhei o que restou dos sonhos, amassados pela ilusão, e os empilhei atrás da porta.

Me senti sozinha, sem proteção, sem teto. Olhei para cima. A última coisa que ele me tirou foi o céu.

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