quinta-feira, 23 de julho de 2009

As últimas flores

Escrever ajuda a entender a dor. E a curá-la também. Eu acho.

Quando chegou a Brasília, nos anos idos da construção da cidade, já acumulava duas separações. Muita gente de sua cidade comentava. Naquele tempo, isso era raro. Mas acho que ela não ligava pra isso. Ninguém se importou quando ela, ainda adolescente, foi oferecida pra pagar uma dívida a um homem mais de 20 anos mais velho. Naquele tempo, isso não era raro. Ele se chamava Francisco, e foi deixado poucos anos depois por um amor. João Batista. Quando tudo passou, a nova capital do Brasil acenou com a possibilidade de uma vida nova. Na bagagem, dignidade e muita coragem.

Há duas semanas, nada disso revelavam as suas rugas. Lá estava ela, imóvel. Os filhos – que ela tanto gostava de reunir – ao redor. Júlia distraía-se com o meu celular tirando fotos das flores. Amarelas. Vermelhas. Não me lembro das cores. Também não me lembro da última vez que ela tinha recebido flores.

Mas guardo a sensação de passar as mãos em seus cabelos. E ainda escuto o seu riso gostoso:

- Eu acho feio o meu nome, parece com ‘coberta’, dizia Roberta.

Na capela ao lado, o corpo de uma moça de 23 anos que se enforcou. Minha avozinha, do alto dos seus 83, adoraria ter mais uns minutos - gastos de preferência com um churrasquinho ou um doce.

Agora, uma porção de lembranças amontoadas e não-inventariadas. Uma rua que não mais visito. Uma casa sem razão de existir. O medo de o tempo me levar a recordação de sua voz. E a tristeza por não ter podido cumprir a última promessa que lhe fiz.

- Estou com medo, falou baixinho ao entrar na ambulância.

A vida me deixou órfã de avó. Uma geração sob a terra.

3 comentários:

  1. Denise,
    apontei um "link" para seu blog. Desejo que muita coisa boa saia dessa caixa de Pandora!
    abs,
    marcos freitas.
    http://emversoeprosa.blogspot.com/
    http://poemacao.blogspot.com/

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  2. Obrigada pela visita! Espero suas dicas, ok?

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  3. Oi, Denise! Aqui é a Dri, amiga da Mari Bizi. Achei seu blog e gostei muito. Espero que seja ficção, mas caso o contrário, vós sempre nos deixam com essa sensação quando partem, de que podíamos ter aproveitado mais tempo.

    Bjocas!

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